Carolina tocando Tambor Mineiro com o bloco Tereza Beleza.

Carnaval Preto: Ferramenta de divulgação da nossa identidade

Changemaker Catalyst Award recipient, Carolina Timoteo de Oliveira, traveled to Belo Horizonte, Brazil, to investigate the presence of Afro-Brazilians in carnaval. Carolina is a PhD candidate in the Stone Center for Latin American Studies.

Bloco do Zé Pretinho com Samba da Meia Noite e AfrOdum

No dia 3 de fevereiro de 2023, eu cheguei à Belo Horizonte com um sentimento duplo. Por um lado, a cidade é meu lar e me traz uma sensação de familiaridade e aconchego. Por outro, eu tinha uma missão de experienciar e entender esse lar para além do que me é familiar. O Taylor Changemaker Catalyst Award viabilizou um projeto em que propus analisar a presença afro-mineira no carnaval de Belo Horizonte.

O carnaval, assim como boa parte da cultura brasileira, é uma celebração com origens afro-brasileiras. No entanto, há um apagamento dessas raízes e dos corpos pretos quando essa celebração é mercantilizada. O carnaval de Belo Horizonte nasceu em 1897 sendo uma comemoração popular pela classe trabalhadora.[1] Durante muitos anos, o carnaval foi uma festa tímida em Belo Horizonte, sendo focado em desfile de escolas de samba, em sua maioria feito por e para pessoas da classe trabalhadora. Essas atividades não atraíam turistas, tampouco era motivo de grande comoção na cidade. Entretanto, no início dos anos 2010, isso mudou. Vários grupos político-culturais que se opunham ao então prefeito Márcio Lacerda por discordar das suas ideias conservadoras que agiam em detrimento à ocupação cultural em espaços públicos.

Esse movimento chamado de “novo” carnaval de rua em Belo Horizonte também começou tímido, um movimento horizontal nascido da efervescência político-cultural da cidade. Na última década, esse movimento cresceu exponencialmente e hoje atrai turistas e é um evento fiscalizado pelo Estado. Em 2023, eu presenciei o maior carnaval que a cidade já viu.[2] Fui extremamente bem recebida por um grupo de samba de roda chamado Samba da Meia Noite, eles abriram as portas dos seus ensaios e reuniões para que eu pudesse participar e observar suas práticas culturais além das apresentações. Eles estavam extremamente ocupados nessa data. Junto com o bloco AfrOdum, eles abriram a noite de blocos afro no carnaval de Belo Horizonte. Além disso, se apresentaram no carnaval oficial da prefeitura de Contagem (região metropolitana de Belo Horizonte) e, também com o AfrOdum, lançaram o bloco do Zé Pretinho.

Ao acompanhar as atividades dos grupos e também tendo a oportunidade de tocar no bloco Tereza Beleza, liderado por homens negros, porém majoritariamente branco, eu consegui ouvir as pessoas que estão envolvidas na feitura dessa cultura. Em conversa com Jefferson Gomes, líder do Samba da Meia Noite, ela enfatiza como o processo de mercantilização do carnaval reforçou as desigualdades raciais na cidade. Segundo ele, os recursos financeiros são focados em blocos de pessoas brancas e de elite já que “o poder público quer ver quantidade, não qualidade.” Nesse processo, há um apagamento da cultura preta e dos corpos pretos numa celebração que partiu de nós. Para os detentores do som do carnaval, como aponta Jefferson, não há investimento de peso, sobram somente as migalhas. Para ele, o carnaval preto é uma ferramenta de divulgação da nossa identidade e da nossa diversidade, assim como das nossas matrizes.

Eu percebi que os ensaios do Samba na Meia Noite começavam muito tarde, por volta as 21 horas. Em conversa com Jefferson, ele traz uma perspectiva muito interessante: “Como você vai marcar vários ensaios na semana, trazer uma bateria de qualidade sendo que o cara acorda 5:30 da manhã, pega ônibus pra trabalhar, aí volta e tem que ensaiar?” Ele ainda compartilha que uma vez, presenciou um ensaio de um bloco de carnaval de pessoas brancas na praça da estação às 17 horas. E na rua, um ônibus cheio de trabalhadores, em sua maioria negros, voltando para casa depois de uma longa rotina de trabalho. A estrutura do carnaval de Belo Horizonte reforça a estrutura racista e classista que acontece em qualquer outro espaço da cidade e do país.

Ainda assim, os blocos pretos resistem e fazem, com muito sacrifício, uma celebração que vai além da alegria e entretenimento. Segundo Jefferson, essa prática cultural é feita por amor e honra aos nossos ancestrais e é importante que a resistência continue para que esse processo de higienização não escoe os corpos pretos ainda mais para a margem.

Essa experiência me fez conhecer a minha própria cultura por uma perspectiva que eu não havia experimentado antes. A condição de pesquisadora, mas também de participante e membro da comunidade é uma tarefa difícil, porém recompensadora. Essa experiência foi o meu primeiro contato com minha pesquisa de campo para a tese de doutorado e me ensinou a ser uma pesquisadora mais sensível e consciente.

[1] https://www.cmbh.mg.gov.br/comunica%C3%A7%C3%A3o/not%C3%ADcias/2020/11/hist%C3%B3ria-do-carnaval-em-belo-horizonte

[2] https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2023/02/26/interna_gerais,1462164/carnaval-de-bh-2023-maior-edicao-da-historia-deixa-saudade-entre-folioes.shtml